Ainda estou aqui: o guitarrista que ajudou a moldar a música brasileira
- Concreto Neves
- 30 de jun.
- 3 min de leitura
E a Fernanda Torres, hein? Trouxe pra gente um sentimento quase que de tetra em 94 com o Globo de Ouro por sua atuação em Ainda Estou Aqui. O filme traz uma trama potente, mas também uma trilha sonora que é um suporte firme à narrativa, assinada por Warren Ellis, compositor australiano que acompanhou Nick Cave e tem na sua filmografia títulos como Back to Black (2024) e Terra Selvagem (2017). A escolha das faixas que compõem a trilha é especial por alguns motivos. Eu poderia me debruçar sobre questões políticas de uma trilha que traz alguns exemplos do que de melhor foi produzido na MPB e na Tropicália durante a ditadura, mas estou aqui (sem trocadilhos) pra te apresentar um dos fios que teceu a sonoridade destes e outros gêneros brasileiros: a guitarra de Lanny Gordin.

Uma guitarra que definiu muito do que ouvimos
Entre tantas pérolas, três faixas se destacam por trazerem a assinatura inconfundível de Lanny: “É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo”, de Erasmo Carlos (álbum Carlos, Erasmo (1971); “Acauã”, de Gal Costa (álbum Le Gal (1970); e “Jimmy Renda-se”, de Tom Zé (single Jimmy Renda-se/Irene (1971). Filho de mãe polonesa e pai russo, nasceu em Xangai, passou a infância em Israel e chegou ao Brasil aos 6 anos de idade. Sua herança cultural foi um caldeirão de influências. Mas, falando de sua guitarra, o epicentro da história é a boate de seu pai, a Stardust, na São Paulo dos anos 1960, que empregou como pianista fixo ninguém menos que Hermeto Pascoal, recém chegado à cidade. Ali, Lanny cresceu e tocou com os nomes mais importantes da música brasileira que na época tinha o bar como um refúgio. Menino prodígio, não demorou para que os frequentadores da Stardust começassem a levar o guitarrista para o estúdio.
Suas experimentações ajudaram a moldar a Tropicália e a MPB, transformando os gêneros em territórios de exploração sonora. Com Gilberto Gil, Lanny assinou guitarras e arranjos em álbuns como Expresso 2222 (1972), gravou o eterno Gal a Todo Vapor (1971) com Gal Costa e Caetano Veloso (1969), de Caetano, obviamente. Mas, o que me fez trazer a história de Lanny aqui pra vocês é o álbum Carlos, Erasmo (1971), com uma guitarra que é um soco nos tímpanos. O que torna Lanny Gordin eterno é sua capacidade de transformar a guitarra em linguagem. Com seus riffs fora da casinha, harmonias pouco usuais e solos que são uma passagem só de ida para outras dimensões, ele ensinou que a guitarra brasileira pode ser suave como a brisa e feroz como um temporal e que, acima de tudo, ela pode ser livre.
Os altos e baixos karmicos e dharmicos de sua guitarra
Diagnosticado com esquizofrenia ainda no começo dos anos 70, Lanny ficou de fora das gigs por anos por ter se tornado difícil trabalhar com ele pela liberdade artística da qual não abria mão e também pelo efeito de medicações pesadas depois de uma internação em hospital psiquiátrico. Quando saiu do hospital, retornou ao Stardust até o fechamento da casa, em 1995. Gravou tarde seus próprios trabalhos, depois que Luiz Calanca, do selo independente Baratos e Afins, gravou uma série de aulas de guitarra que teve com o mestre. Das aulas, surgiu o álbum Lanny Gordin (2001). Depois, veio Projeto Alfa, volume I e II (2004), Duos (2006), Lanny duos (2007) e Auto-Hipnose (2010), com a banda Kaoll. Em uma de suas geniais entrevistas, já perto do fim da vida, Lanny diz que o instrumento "tem uma função karmica e uma função dharmica. Às vezes faz mal, às vezes faz bem. Depende da fase de vida da pessoa".
Lanny nos deixou no dia de seu aniversário de 72 anos, em 28 de novembro de 2023, deixando um legado de valor incalculável de música e vida.
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