As Raízes Espirituais Cristãs da House Music e da Cultura Clubber
- Concreto Neves
- 30 de jun.
- 3 min de leitura
Atualizado: 2 de jul.
Êpa! Lá vem o força barra... Ok, você pode ser uma pessoa religiosa e achar esse título um absurdo. Principalmente, se você for cristão. Mas, entenda: não tem como separar o house de sua origem gospel. Conhecido por quem não se interessa como “puts puts”, “poperô” e outros reducionismos, o house nasceu nos clubes noturnos de Chicago dos anos 1980, mas seu DNA musical e cultural é forjado nas famosas igrejas negras, aquelas das tias de chapéu, que você já viu em muitos filmes e séries, onde a música, sobretudo o coral gospel, funcionava como uma ferramenta de união, expressão e transcendência.
O Warehouse, que, inclusive, meio que dá o nome "house" ao gênero, e o Music Box, dois famosos clubes noturnos de Chicago, serviam ao mesmo propósito de laços comunitários e expressão de espiritualidade para comunidades marginalizadas dentro das igrejas. DJs como Frankie Knuckles, Ron Hardy e Larry Heard estavam no centro de uma revolução cultural e musical, trazendo para as pistas dos clubes grooves eletrônicos com corais gospel e mensagens espirituais. Estamos falando de pessoas que, seja na pista ou nas pickups, tem sua própria história embebida em vinho de santa ceia. Nesse cenário, é inevitável que alguns clássicos do gospel se tornassem também clássicos do house.

Clássico é clássico, e vice-versa
Uma das minhas preferidas é “Stand on the Word”, gravada em 1982 pelos Joubert Singers no Brooklyn como um hino gospel congregacional. A música foi resgatada por DJs como Tony Humphries e transformada em clássico das pistas. Sua mensagem espiritual se manteve intacta e, mesmo com uma infinidade de remixes ao longo dos anos, a versão original segue, na minha opinião, pronta pra qualquer pista.
“Promised Land” de Joe Smooth, lançada em 1987, é outra que apaga a barreira entre igreja e balada. Inspirada pela atmosfera comunitária dos clubes, a música combina o gospel com elementos do soul e vocais característicos das igrejas negras. Joe Smooth teve abertamente a intenção de criar algo com um peso espiritual, o que ajudou a consolidar o house como música de transcender, conectando a comunidade em experiências quase religiosas nas pistas.
Existem mais coisas entre os céus e a terra do que julga sua vã filosofia
Os vocais potentes e cheios de melismas, coração da música gospel, se tornaram uma marca registrada no house, muitas vezes sampleados ou reinterpretados. Instrumentos como o piano e o órgão Hammond, icônicos no gospel, foram adaptados no house, como no exemplo de Marshall Jefferson em “Move Your Body”, que popularizou o piano nas pistas.
Essas características não surgiram do nada. Elas refletem a experiência das comunidades que criaram tanto o gospel quanto o house: um desejo por transcendência em meio às adversidades. Nos clubes, assim como nas igrejas, as pessoas encontravam um espaço para se libertar, se conectar e celebrar.
Para além de Marshall Jefferson, outros nomes fundamentais ajudaram a moldar o som e a cultura do house. Jesse Saunders, por exemplo, lançou em 1984 a primeira faixa oficialmente reconhecida como house, “On and On”, enquanto Farley "Jackmaster" Funk e Steve “Silk” Hurley também foram protagonistas na cena de Chicago.
Paralelamente, clubes como o Paradise Garage, em Nova York, comandado por Larry Levan, e o The Loft, de David Mancuso, foram cruciais para a disseminação da cultura dance e para a evolução do house em suas múltiplas vertentes. É importante lembrar que a house music nasceu em um contexto social marcado pela resistência das comunidades negras, latinas e LGBTQIAP+, que encontraram nesses espaços uma forma de afirmação cultural e, por que não, espiritual. Essa confluência de influências e experiências sociais ajudou a transformar o house não apenas em um gênero musical, mas em um movimento inclusivo e transformador, que se desdobrou em subgêneros como deep house e acid house, ampliando seu impacto cultural.
A jornada do gospel ao house é uma história de continuidade. O que começou nos bancos das igrejas encontrou um novo lar nas pistas, mantendo viva a energia comunitária e espiritual. O house é mais do que música de festa. É uma extensão da tradição de resistência e expressão de comunidades marginalizadas, onde Céu e Terra se encontram.