Como o design sonoro consciente pode transformar a experiência urbana (e por que devemos nos importar)
- Concreto Neves
- 30 de jun.
- 3 min de leitura
Atualizado: 8 de jul.
Vivemos em cidades que se mostram não só visualmente, mas que também, e cada vez mais, fazem questão de se anunciar em som. Carros, sirenes, notificações de apps e o efeito sonoro mais "querido" do brasileiro, de acordo com o podcast "Só no Brasil", de Victor Camejo e Pedro Duarte: o barulho de Makita. Parece que, onde quer que estejamos, somos envolvidos por uma cacofonia constante que se torna a trilha de fundo do podcast da vida. A digitalização trouxe uma nova camada de poluição sonora, com os sons de notificações sendo um som constante nas ruas.
Mesmo assim, quando se fala em urbanismo e saúde mental, o som raramente entra na conversa. Segundo um estudo da USP, a poluição sonora urbana está ligada não somente a óbvios problemas de audição, mas também ao aumento de estresse e pode até acelerar problemas cardiovasculares. Uma matéria da revista Pesquisa FAPESP aponta que somente 4 cidades brasileiras finalizaram seus mapas de ruídos urbanos. Aí é que entra a preocupação com o design sonoro consciente.
A Evolução da Paisagem Sonora
A ideia de um design sonoro mais cuidadoso não é exatamente nova. Nos anos 70, o compositor e teórico canadense R. Murray Schafer já defendia que deveríamos prestar atenção ao som das cidades. Em seu livro A Afinação do Mundo (1977), Schafer argumentava que os ruídos urbanos eram algo que precisávamos “afinar”, não só porque os sons têm impacto emocional, mas porque eles também refletem como nos relacionamos com nosso ambiente.
Cidades como Nova York e Estocolmo já experimentaram formas de reduzir o impacto do ruído. Em Manhattan, por exemplo, o Greenacre Park tem uma parede de água que suaviza o barulho das ruas, oferecendo um espaço de paz em meio ao caos. São exemplos de como o som pode ser usado para criar uma atmosfera mais humana, em que as pessoas podem realmente respirar e se conectar com o ambiente.

Ruído Digital: Uma Nova Camada de Som
O desafio do ruído urbano se tornou ainda mais complexo com o avanço das tecnologias digitais. Hoje, nossos telefones vivem nos nossos bolsos, com apps constantemente soando e vibrando. Essas notificações viraram a trilha sonora das ruas, dos ônibus, do trabalho, e mesmo dentro de casa convivemos com o "hummm hummm" de um celular silenciado (ou quase) em cima da mesa. Tenho certeza que você, seja motorista ou passageiro, já se irritou com as notificações persistentes dentro de um carro de aplicativo. É uma nova camada de ruído que exige adaptação.
A ironia é que, com a tecnologia disponível, seria fácil tornar esses sons menos intrusivos e mais gentis para os ouvidos. Pequenos ajustes, como notificações mais discretas ou que respeitem o contexto, silenciosas em certos locais, sutis em outros, poderiam transformar a forma como vivenciamos a cidade. A questão é: queremos fazer isso?
Construindo um futuro sonoro pacífico
Como profissional do som, vejo (e ouço) uma grande oportunidade de reimaginar o ambiente sonoro urbano. E não falo só de uma questão de funcionalidade ou tecnologia, mas de um compromisso com o bem-estar de quem vive nas cidades. Podemos desenvolver sons que não agridam o espaço público, aliviando o peso do dia a dia.
Isso vai além do silêncio. É um esforço ativo entre designers e engenheiros de som, urbanistas e desenvolvedores de tecnologia, onde cada elemento contribui para um ambiente mais equilibrado. Material acústico, áreas verdes e até o próprio design de notificações digitais podem ajudar a moldar um som urbano mais saudável. Imagine uma cidade onde o som é planejado e o ruído é tratado como uma questão de qualidade de vida. Imagine todas as pessoas vivendo em paz sonora. Imagine plins, e dings, e yeehas menos intrusivos. Você pode dizer que sou um sonhador, mas não sou o único.
O futuro do design sonoro está na integração entre as áreas de tecnologia e urbanismo, mas também na nossa disposição de refletir sobre o impacto dos sons que estamos criando. Precisamos escolher: o som será algo que toleramos, ou algo que nos ajuda a viver melhor?