O Som do Fim do Mundo: The Last of Us do Jogo em 2013 à Série em 2025
- Concreto Neves
- 30 de jun.
- 4 min de leitura
Graças aos deuses estamos aí com a segunda temporada de The Last of Us. Eu já estava angustiado. Joguei o primeiro jogo duas vezes (com choro nas duas) e assisti à primeira temporada quando saiu. Revisitei essa atmosfera sonora de ambos para me preparar para a segunda temporada. Obviamente, fiz algumas observações e fui atrás de entrevistas e bastidores com a equipe de som para trazer aqui um retrato dessa paisagem sonora pós-pandêmica onde cordas andinas, silêncios carregados e o barulho úmido do medo se combinam pra entregar uma das experiências mais imersivas da TV recente.

O Som do Vazio: Uma Trilha Que Sabe Quando Calar
Sou réu confesso e aceito as maiores penas no tribunal que julga fãzocas de Gustavo Santaolalla. O mestre argentino, ganhador de dois Oscars por O Segredo de Brokeback Mountain (2005) e Babel (2006), mas com títulos como Amores Brutos (2000), 21 gramas (2003) e Diários de Motocicleta (2004) na sacola, construiu para The Last of Us (jogo de 2013) uma identidade musical rica em detalhes finos, e isso continua na adaptação para a TV. A trilha de The Last of Us aposta em respiros. A música de Santaolalla, tanto no jogo quanto na série, é cheia de pausas, tensões e pequenos gestos sonoros.
O som do ronroco (instrumento de cordas andino que já soou em outras trilhas do mestre) aparece logo de cara no tema principal. É um instrumento pequeno, pouco maior que um ukulele, de timbre meio percussivo, que se tornou uma espécie de assinatura sonora do universo de The Last of Us. Santaolalla traz o ronroco como um pincel para ambientação emocional, pintando sons de uma nostalgia crua, seca, que combina com o mundo quebrado da história. A produção da HBO teve o cuidado de não sobrecarregar essa estética com uma mixagem moderna demais. Isso trouxe uma fidelidade incrível ao espírito do jogo.
Clickers, Estalos e Silêncios: O Design de Som da Infecção
Se a trilha emociona no respiro, o design de som aterroriza na base do grito. A equipe de Michael J. Benavente e Christopher Battaglia trouxe para o time Misty Lee (conhecida dubladora de criaturas em games e animações) para construir os famosos “clickers”, mantendo a fidelidade ao game, com múltiplas performances vocais, processadas com variações de pitch e ressonância, para criar camadas distintas para diferentes tipos de infectados.
O que dá medo não é só o som dos infectados, mas o que não se ouve antes deles. Momentos de silêncio total ou de ambiências quase imperceptíveis criam uma tensão constante. A floresta soa úmida, o carpete soa velho, a madeira soa prestes a ceder.
Expansões Sonoras: Bill, Frank e os Códigos Musicais
No episódio de Bill e Frank, temos um dos momentos mais maneiros de expansão narrativa e sonora. Enquanto no jogo Frank já está morto quando Joel e Ellie chegam, na série o episódio mostra o relacionamento dos dois ao longo dos anos. E o som, de novo, é uma ferramenta narrativa.
Frank, que fabrica vinho e toca piano, sugere a criação de um sistema de códigos musicais para serem transmitos via rádio com Tess: canções dos anos 60 indicam “sem perigo”, dos anos 70 “algo está acontecendo”, e dos anos 80… “problema grave”. Essa camada musical, assim como a história do casal Bill e Frank, não existia no jogo, mas amplia o universo dos personagens com uma leveza melancólica.
Ellie e Joel: A Trilha Que Aproxima
Na adaptação, a relação entre Joel e Ellie ganha mais camadas emocionais, e o som acompanha esse crescimento. As performances da duplinha mais querida do apocalipse, Pedro Pascal e Bella Ramsey, trazem novas nuances para os personagens, e Santaolalla responde a isso com pequenas variações no tema original. A música durante os momentos de fragilidade entre os dois é a mesma do jogo, mas os arranjos são ligeiramente mais longos, com sustains que demoram a morrer, como se o próprio som estivesse com medo de se aproximar demais.
A série também investe em momentos não-musicais para consolidar a relação entre os dois. Os silêncios entre as falas, os ruídos da cidade morta, o som do cascalho sob os pés... tudo isso forma uma coreografia sonora que só funciona porque a direção confia no poder do som ambiente como narrativa.
O que muda entre o jogo e a série
Enquanto o jogo precisava criar uma atmosfera imersiva com base na interação do jogador, a série trabalha com controle total do ritmo narrativo. Claro que isso se reflete na trilha e no som. Santaolalla, a equipe de mixagem e o time de foley criaram uma experiência que é, ao mesmo tempo, fiel e nova. O som da série é, em vez de uma reprodução simples, uma tradução um bocado sensível.
The Last of Us sussurra, tensiona, segura. Seja com o ronroco andino ou com o ranger de uma porta num porão, a série mostra que, no fim do mundo, o silêncio também grita.
Referências: